por João Fernando Contreiras Siqueira
Em razão do gigantesco potencial transmissivo do vírus covid-19, em fevereiro de 2020, o Estado brasileiro sancionou as medidas para o enfrentamento desta emergência de saúde pública (LEI Nº 13.979), por meio da qual esclareceu e garantiu a adoção de quarentenas e de normas de isolamento nas administrações perante a crise iminente. Desde então, essa é nossa nova realidade.
A Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri), está preocupada com os projetos do brincar nos hospitais brasileiros, especialmente naqueles que atendem em enfermaria pediátrica, onde é obrigatório o funcionamento das brinquedotecas.
Entendemos que o novo desafio é manter o brincar vivo dentro das crianças durante a internação, mesmo em conduta de isolamento. Por isso, conversamos com algumas brinquedistas que atuam no contexto da Saúde sobre como vem lidando com a situação atual.
Conforme a Lei 11.104/05, é estritamente necessário que todo hospital que possua um atendimento pediátrico tenha também uma brinquedoteca, entendida como um “espaço provido de brinquedos e jogos educativos, destinado a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar”. Mas, como nos explicou a brinquedista Jacqueline Dantas, do Hospital João XXIII, em Belo Horizonte, por ser um espaço coletivo, as brinquedotecas precisaram ser fechadas. “Foi sofrido, sim, para a crianças, ficarem sem ir até o espaço, mas estamos sempre sensibilizando, explicando a necessidade, sabendo que este é o momento”, ela afirma.
Dessa forma, para contornar a triste situação, o Hospital João XXIII adotou uma saída criativa: criaram os chamados kits-lúdicos, que trazem passatempos, desenhos para colorir, lápis de cor, giz de cera, brinquedos, livros de histórias e revistinhas para cada criança. “Esse kit, lógico que não veio para substituir a brinquedoteca - até porque é impossível, considerando a magia que o espaço provoca - ele vem para suprir essa necessidade lúdica da criança e para continuar estimulando que ela brinque durante esse período da internação”, contou-nos Jacqueline.
Tais kits são ferramentas poderosas que ajudam os pequenos a encarar a nova realidade.
No Hospital Estadual Infantil Darcy Vargas, em São Paulo, as profissionais brinquedistas planejaram trazer os temas que já trabalhavam nas brinquedotecas para esse novo formato. “Nós também tentamos trazer a temática dos desenhos e dos passatempos para o momento do mês; como páscoa, dia das mães, festas juninas e assim por diante”, disse-nos a coordenadora das brinquedotecas do hospital, Cynthia Wolle. “A gratidão das crianças, quando recebem os kits, é muito clara - quando eles recebem, já abrem aquele sorriso e já agradecem. Nós notamos que as crianças que ficam internadas por mais tempo já ficam na expectativa de receber novamente mais atividades”. Para Cynthia, são justamente essas atividades lúdicas que têm evitado maiores queixas emocionais vindas das crianças, mantendo os pequeninos mais alegres durante a internação.
Já no Hospital Municipal Salgado Filho, na cidade de Rio de Janeiro, foi encontrada uma outra questão, desta vez, com relação ao uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Como bem sabemos, o coronavírus se espalha pelo ar e pelo contato direto, exigindo que todo o profissional na área da saúde tome os devidos cuidados durante o convívio com seus pacientes, como o uso de máscaras, óculos e capotes.
Mas, como a terapeuta ocupacional Patrícia Cimerman logo percebeu, o uso de tal equipamento pode provocar medo e estranhamento durante as abordagens terapêuticas com as crianças. Assim, zelando pelo bem-estar destes pacientes, a solução foi tentar humanizar ainda mais o atendimento, utilizando acessórios coloridos, toucas e máscaras por cima do EPIs.
Além disso, a moda das máscaras coloridas veio tão forte que nem os brinquedos ficaram de fora: no Projeto dos Bonecos Terapêuticos desse hospital, as bonecas têm máscaras confeccionadas pelas crianças internadas para trabalhar a prevenção através da representatividade.
Contudo, admitimos que há muitas saudades dos espaços destinados ao brincar livre. A brinquedista Daniela Linhares, do Hospital Universitário da USP, contou-nos como a ala pediátrica era praticamente um lugar social, onde muitas famílias mantinham uma amizade, mas também, contou-nos como a nova situação gerou um distanciamento entre elas.
Porém, diferente das pandemias anteriores, este é um período que podemos contar com a internet e a tecnologia para nos ajudar.
No hospital onde a brinquedista Eliana Tarzia trabalha, o Hospital Samaritano de São Paulo, ela pôde enviar passatempos e intermediar as atividades dos contadores de histórias voluntários por meio do Whatsapp, dessa forma, diminuindo a circulação e a possibilidade de contaminação dentro do hospital. Assim, as crianças e seus acompanhantes recebem vídeos, manuais e dicas de sites com brincadeiras pelo próprio celular, e a brinquedista passa uma vez ao dia em cada quarto, realizando o acompanhamento.
O Hospital da Criança de Brasília José de Alencar (HCB) realiza uma proposta semelhante: a brinquedista responsável, Suely Nascimento de Lemos, organizou um grupo no Facebook, o “Brincar no HCB”, por onde compartilha as atividades e brincadeiras com os familiares.
E, para os amantes da música, o Hospital João XXIII tem sua própria rádio na Pediatria, a RADIOPED; toda às sextas-feiras tocando as mais pedidas.
Assim, as brinquedistas hospitalares entrevistadas disseram que tais mudanças vieram para ficar e contribuir com o espaço das brinquedotecas.
A intenção de todas é: Passaremos por esse período da melhor maneira possível, brincando e trazendo alegria.
Agradecemos a todos os apoiadores do Brincar, nessa pequena homenagem às brinquedistas hospitalares, com suas brinquedotecas de quarentena.
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